"Este é o líder chinês mais forte desde a época de Deng Xiaoping"
A corrupção é um problema político real na China?
A corrupção tem sido uma preocupação das sucessivas lideranças. O que o PCC aprendeu com a queda do poder do Kuomintang em Taiwan foi que existe um preço político a pagar pela corrupção. No caso chinês, a corrupção é potenciada pela relação entre Estado e economia, o capitalismo de Estado, e o monopólio do poder político pelo PCC.
O combate à corrupção tornou-se necessário para reforçar ou manter a legitimidade que o PCC reivindica para dirigir o país?
Esse é o centro desta campanha sistemática e que tem chegado a lugares onde até há pouco era impensável. Não é possível a um partido, de forma legítima aos olhos do seu povo, reivindicar ser um partido da vanguarda se a corrupção chega ao topo de forma evidente e manifesta. A luta contra a corrupção é uma luta pela sobrevivência política do PCC.
Mas o que surpreende é que a corrupção é possível numa dimensão enorme...
Isso é chocante, de facto. Penso que a realidade do capitalismo de Estado ajuda a explicar o fenómeno. Porque é nas empresas estatais, e principalmente nas mais importantes, que vão chegar os filhos dos líderes e se cruzam os interesses económicos e financeiros destes.
Além do conflito resultante do choque desses interesses, há uma luta política interna no PCC?
Claro que sim. Faz parte da natureza humana. Há aspetos e fatores que são ainda pouco transparentes, e vão continuar a sê-lo por mais algum tempo, mas sabemos também muito mais sobre a China. Assim, podemos perceber melhor a história e evolução do PCC ao leme do país e, por aí, vemos claramente essas fações e grupos, mais ou menos insatisfeitos, por questões políticas e outras em competição entre si. Isso é claro. No caso do presidente Xi Jinping há um aspeto importante: a sua consolidação no poder e a forma como decorreu mostra-nos, de forma inequívoca, que este é um líder extremamente forte, talvez o mais forte desde Deng Xiaoping [no poder entre 1981 e 1989]. Jiang Zemin era uma força da natureza, Hu Jintao era mais discreto, mas ambos privilegiavam a noção da liderança coletiva. Xi não. Já houve quem tivesse classificado o seu estilo como o de uma "presidência imperial". Este é claramente um presidente que concentra em si a noção do que deve ser a autoridade, e nessa consolidação de poderes desempenha papel importante o combate à corrupção, que é real, mas esse combate está a servir também para enfraquecer setores no interior do PCC que são críticos da política de Xi Jinping.
A corrupção existe e quando necessário é utilizada para fins políticos?
Há casos de dirigentes em lugares cimeiros que tinham um estilo de vida absolutamente escandaloso, chocante, assim como temos também casos de figuras que têm desempenhado cargos importantes e em que a fronteira entre o que é corrupção e a questão política é muito ténue, muito difícil de traçar. O que sucedeu a Bo Xilai ou Zhong Yongkang exemplifica isso. Ambos foram vozes críticas de Xi Jinping. Esse foi o seu pecado capital.
Têm sido sempre visados críticos de Xi?
Há um aspeto a destacar. Quando se falava de Bo Xilai associávamo-lo a um setor neomaoista, algo saudosista da época anterior a Deng Xiaoping, um tempo que para o atual presidente não há que ter como referência. Não se pode esquecer que Xi é filho da geração que fez a revolução e que, como a maioria dos quadros do PCC, foi vítima da Revolução Cultural. Ele próprio foi enviado para o campo e passou tempos muito difíceis. Xi pertence à geração em que a memória da Revolução Cultural é importante...
[citacao:Não se pode esquecer que Xi é filho da geração que fez a revolução e que, como a maioria dos quadros do PCC, foi vítima da Revolução Cultural]
Em que sentido?
No sentido negativo: aquilo que se viveu na época final de Mao no poder não é para repetir. Há também a consciência de que hoje há passos atrás que não podem ser dados. Voltar atrás teria consequências imprevisíveis para o PCC.